quinta-feira, 28 de março de 2013

ÁGUAS DE MARÇO

“São as águas de março fechando o verão
é a promessa de vida no teu coração”
Águas de Março - Tom Jobim

Profundas experiências místicas de fraternidade e luta vem sendo vivenciadas em Belém/PA, durante o mês de março. São momentos realizados em uma sintonia que, independente de religião, orientação sexual, cor/raça, sexo, idade, gênero e outras diferenças, testemunham “como é bom e agradável os irmãos viverem unidos” (Salmo 133). Quero destacar dentre estas, três ocasiões que participei e que me fizeram refletir/reafirmar o quão importante vem sendo o ecumenismo e o diálogo inter-religioso na capital paraense.

Na primeira sexta-feira (01), vivemos em comunhão com diversos países o Dia Mundial da Oração (DMO). Ele “é um movimento que reúne mulheres cristãs, de muitas tradições, em todo o mundo, para observar um dia comum de oração por ano”¹. Em 2013, as mulheres da França contribuíram com a elaboração da proposta de reflexão e animação a ser celebrada em todo mundo. O Evangelho de Mateus inspirou o tema “Era forasteiro e me hospedastes” (Mt 25,35), motivando à oração-reflexão-ação sobre a realidade de acolhida ao estrangeiro e do tráfico de pessoas.

Em nosso Estado, este momento é construído pelo movimento ecumênico, congregando diversas igrejas, entidades e pessoas cristãs, num cuidado que se revela na ornamentação do espaço celebrativo, na acolhida fraterna, na harmonia das vestes e das canções inculturadas, no alimento compartilhado, na oferta direcionada a projetos sociais apoiados anualmente pelo DMO, entre outros elementos. Uma liturgia expressa com simplicidade e riqueza, nos conectando ao Sagrado e também à vivência de imigrantes na França e em outras nações: suas dificuldades e superações, acolhidas e desprezos, conquistas e desafios.

Durante as comemorações do Dia Municipal e Estadual da Umbanda e outros cultos Afro-Brasileiros, fomos às ruas na IV Caminhada Pela Liberdade Religiosa. O centro da cidade na manhã de 17 de março, amanheceu ao som dos atabaques e agôgos, abrindo espaço para danças, saudações, intervenções políticas contra a intolerância religiosa e racismo. Subindo a Presidente Vargas, uma das importantes avenidas da cidade, os participantes defenderam o respeito e o reconhecimento da afroreligiosidade, levando o clamor contra a intolerância religiosa rumo à Praça da República. 

A memória de mãe Doca, também esteve presente durante a caminhada. Ela se tornou símbolo de resistência por ter sido a mulher que primeiro tocou tambor no Pará, enfrentando os ataques sofridos pelas comunidades de terreiro. Um pedaço de Aruanda construído pela relação com a natureza e o cuidado com o outro viveu-se naquele momento.

O martírio de Dom Oscar Romero em El Salvador também foi rememorado na noite do 23, durante Ofício dos Mártires da Caminhada. Celebramos a vida deste bispo que, nos passos de Jesus, assumiu a causa dos direitos humanos, denunciando sem medo a violência política, sendo, por isso, perseguido e assassinado  pela ditadura militar no dia 24 de março de 1980, enquanto presidia a missa. Buscou-se recordar a vida de quem tombou lutando pela justiça social, pelos empobrecidos(as).

Outros(as) mártires como Ir. Dorothy, Pe. Josimo, Chico Mendes, Ir. Adelaide, Pe. Gisley, Dom Hélder Câmara, Alexandre Vanucci, etc. também foram lembrados por seu compromisso em defesa da vida. Cada participante, com velas nas mãos ao redor da Palavra, alimentou-se das palavras do Evangelho de João que trazia o amor como maior mandamento (Jo 15,7-17), não numa relação de servidão, mas de amizade com Jesus e de compromisso com o Reino. O sangue das vidas dadas, a doação da própria vida como testemunho evangélico de amor, esteve presente nas orações, nas músicas, nas danças.

Problemas relacionados aos direitos humanos, meio ambiente, violência, saúde... tornaram deste um mês, mais kairós que cronos, nos desafiando a fé e questionando-nos sobre aquilo que realmente acreditamos e defendemos enquanto bem-viver. Balançados(as) entre o pessimismo e o otimismo, envolvidos(as) por sentimentos de preocupação, frustração e cansaço.

Entretanto, são águas de março que vão e vem, crises e soluções convivendo em um mesmo tempo e mesmo espaço, que necessitam existir, para que possamos rezar, lutar e festejar resistindo e não desistindo da promessa de vida em abundância para todos e todas.

  
 

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¹ Site do Dia Mundial da Oração: http://www.dmoracao.com/index.php?pagina=1334759358

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